(11-06-2011)
Por Daraìna Pregnolatto
Varios Detidos e Algemados
Para os que tem acompanhado a saga dos mascarados de Pirenópolis que estão sendo obrigados a se cadastrar e numerar durante o centenário Festejo das Cavalhadas, parte da Festa do Divino Espírito Santo da cidade que recebeu, em 2010, o título de "Patrimônio Imaterial Cultural Brasileiro" pela originalidade de sua festa, título que provavelmente perderá com os ocorridos recentes, relato o mais recente ato ocorrido ontem, dia 10 de junho de 2011.
Para que seja bem compreendida a situação, atento para o fato de que o mascarado é um dos personagens, que juntamente com os Cavaleiros mouros e cristãos, representam as Cavalhadas, a derradeira batalha entre estes dois povos e que pôs fim à longa estadia dos mouros na Península Ibérica, deixando como herança todo seu legado artístico e cultural.
O mascarado é portanto e antes de mais nada um artista popular, um "bufo", aquela figura irreverente que critica a sociedade e seus costumes, incluindo as autoridades, evidentemente.
Na cidade de Pirenópolis, apesar deste número a cada ano vir diminuindo mais e mais em decorrência de medidas repressivas à sua atuação, ainda é muito expressiva a quantidade de mascarados que saem às ruas durantes os festejos, pessoas de todos os gêneros, idades e classes sociais.
Desde o ano passado ouve-se ruídos da adoção de uma medida de cadastramento e numeração destes mascarados, a exemplo do que já acontece em outras cidades como a vizinha Corumbá, por exemplo, que segundo todos que conhecem a festa, não tem o brilho, originalidade e quantidade de mascarados que tem em Pirenópolis, o que justifica o registro da festa ter sido em Pirenópolis e não em outras cidades que já a descaracterizaram com medidas como esta.
A proposta de cadastrar os mascarados partiu do Ministério Público, em desfavor da Prefeitura (a Prefeitura deverá pagar 10 mil reais de multa a cada ocorrência), alegando que seria uma medida de segurança para a cidade, uma vez que na última festa (2010) foram registradas aproximadamente 50 ocorrências de pequenos delitos, roubos e coisas assim. A medida foi acatada pelo Juiz. Ok, se a questão é de segurança, quem deveria ser acionada? A Secretaria de Segurança Pública, certo?
Errado! Em Pirenópolis o mascarado foi considerado culpado e condenado a se cadastrar e receber uma numeração bem grande e visível que o identifique publicamente e à distância.
Para se cadastrar, o mascarado deve ir até a Delegacia, onde um funcionário da Prefeitura efetivará seu cadastramento mediante apresentação de documentação (RG e CPF) e descrição detalhada de sua roupa e máscara em cada dia da festa (são 4, se contarmos o sábado do Divino quando alguns mascarados já circulam pela cidade).
Os menores de idade devem ir acompanhados dos pais ou responsáveis. No ato do cadastramento ele sai com o seu "número" de registro (identificação impressa pela Prefeitura e com assinatura de uma autoridade) que deve ser costurado de forma bem visível em sua roupa.
Ora, em Pirenópolis a tradição dos mascarados é passada de geração em geração e um de seus traços principais é o anonimato! Nem os próprios familiares sabem como seus mascarados estão trajados.
Essa é a brincadeira: eles disfarçam a voz, fazem brincadeiras, mexem com as pessoas, pedem um real. Saem mascarados exuberantes que gastam aproximadamente R$ 500,00 em sua indumentária, assim como saem mascarados pra festar e brincar com a roupa da mãe, da irmã ou um paletó velho do pai e é isso que mantém viva essa tradição, a possibilidade do improviso e da criatividade de cada mascarado.
Há os que se excedem? Sim, há, como em todos os lugares e todas as situações, com máscara ou sem ela.
Aqui reforçamos mais uma vez a necessidade de que se crie e discuta com a comunidade uma medida de segurança mais efetiva e eficiente durante os festejos, programas educativos durante o ano que ampliem essa reflexão e que formem agentes culturais que colaborem na orientação da festa, de uma capacitação aos policias no modo de abordar os mascarados, pois o que se vê normalmente é uma abordagem bruta e sem diálogo.
Sim, temos que buscar juntos uma ação que traga avanços e não simplesmente penalizar os mascarados. O mascarado não é um marginal e não deve ser tratado dessa maneira. O mascarado não é um inimigo público que deve ser combatido e controlado. Ele é um artista popular, um brincante, um ser criativo e divertido.
Ontem, sexta-feira, a situação chegou a um extremo. Desde terça feira os mascarados vem fazendo manifestação pública: pediram reunião com o Promotor e foram recebidos, fizeram manifestação em frente à Prefeitura e como o Prefeito estava ausente da cidade nãos os recebeu e tem saído às ruas para esta manifestação de desagravo à medida, com "escolta" policial, inclusive.
Sem agressividade, sem provocação, apenas manifestando seu descontentamento e dor por não poder brincar nos festejos deste ano. Volto a tocar neste ponto: para o mascarado de tradição, a festa é o evento mais importante do ano e para isso ele se prepara durante todos os 365 dias que antecedem a festa. Ele vive intensamente o seu personagem, ele mantém viva essa arte aprendida com os pais, avós, tios, toda sua ancestralidade.
Ainda ontem, alguns mascarados, considerados "lideranças" em seus grupos ou comunidades, foram convidados pelo CONSEG - Conselho Comunitário de Segurança e Defesa Social de Pirenópolis a participar de uma reunião com autoridades policias no Batalhão da PM.
Vale aqui uma ressalva de que não há lideranças constituídas entre os mascarados, pois quando saem em grupos, como há vários na cidade, sua organização é totalmente horizontal, não há um líder que manda e outros que obedecem.
O mascarado é anarquista em sua concepção, eles dialogam entre si e rapidamente a cena artística se constrói. Muitas vezes ele é solitário, a exemplo dos "Zé Pereiras" ou "Fofões" dos carnavais brasileiros.
Desde o início da reunião percebemos que o teor do conteúdo caminhava no sentido de convencer os mascarados a entenderem que não haveria outra medida possível a ser tomada e que deveriam todos pacificamente aceitar a decisão judicial e fazer seu cadastramento; que a medida serviria de proteção aos mascarados pois o Serviço de Inteligência da Polícia já havia sido informada que mal elementos de outras localidades do entorno de Brasília estariam preparando assaltos e outros delitos e que a ação coibiria essa turma; e por fim, que aqueles que insistissem em desobedecer a sentença seriam penalizados, autuados e processados. Chegou-se a perguntar aos mascarados se seria necessário chamar o Batalhão de Choque da PM para atuar na Festa.
Um dos mascarados perguntou se hoje eles poderiam seguir com a manifestação já que a Festa teria início apenas hoje, Sábado do Divino, como é conhecido aqui em Pirenópolis. A resposta foi afirmativa: SIM, mas a partir de hoje, sábado, eles seriam autuados.
Esse mascarado um pouco mais tarde pediu licença então da reunião, pois disse que seus companheiros mascarados o aguardavam para a manifestação e saiu. Uma hora mais tarde, aproximadamente, todo o grupo dos 11 mascarados (7 adolescentes e 4 adultos), foram detidos e levados algemados para a Delegacia para serem autuados.
Há registros do momento da prisão, da chegada de todos algemados à Delegacia e da declaração de um policial e um dos jovens que em nenhum momento lhes foi solicitada documentação. Nenhum deles ofereceu resistência e mesmo assim foram todos revistados e algemados como marginais.
Até o momento, o IPHAN - Instituto do Patrimônio e Artístico Nacional, não se manifestou oficialmente a respeito do assunto. A Comissão Goiana do Folclore já manifestou apoio aos mascarados em carta, assim como a Câmara dos Vereadores de Pirenópolis em sessão realizada no último dia 8 de junho.
A Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa, na pessoa do Deputado Estadual Mauro Rubem também manifestou seu apoio e nos parece que a partir deste momento a questão assume proporções de desrespeito aos Direitos Humanos.
Além da interferência gravíssima a um patrimônio cultural imaterial, nos preocupa agora a segurança desses mascarados que aceitaram "mostrar sua cara" em prol da garantia da continuidade da manifestação artística popular de seus antepassados.
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